Escritos de Rafael Perfeito

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Samba Enredo


Chegou ao samba sem nem saber como. Viu o endereço em casa e em 40 minutos estava lá. Sua determinação era tamanha que, mesmo sem conhecer o local, chegou sem errar o caminho. Ao sair do carro, atinou para este fato. Quando estava paranóico tinha o costume de errar todos os caminhos, mesmo os mais familiares, pois fazia curvas no asfalto com a mesma inconstância que ideias psicóticas e sem nexo lhe agitavam o cérebro.

Do estacionamento escutou o zumbido do samba e o burburinho excitado das pessoas cantando e dançando. À mesa dos músicos sentavam umas 10 pessoas, entre eles, imerso incompreendido em seus acordes, o violonista barbudo, promissor compositor da cidade cuja amizade vinha de longa data. Sobressaíam o lamento incessante da cuíca e a voz quilombola da garota branca a cantar: "tire o seu sorriso  do caminho, que eu quero passar com a minha dor..."

Não entendia como as pessoas podiam se divertir no samba. Não entendia como ele próprio se esbaldara nos sambas da vida, ao som daquele batuque em transe dos rituais negros e do choro da cuíca, cujos gemidos retumbavam em cada canto do seu cérebro enquanto seus olhos injetados varriam o lugar atrás daquela puta.

As meninas rosadas e de cabelos lisos tentando vibrar o corpo como os negros e a quase completa ausência destes no local - com a exceção dele mesmo e de duas ou três mulatas riquinhas - davam à situação, e era essa a realidade de Brasília, um ar insólito, de banzo às avessas: naquele momento era o samba quem sentia falta dos negros.

O salão era espaçoso e sob as luzes com efeitos vermelhos ele era o único a sentir-se miúdo. E foi ali, dentro daquela existência mínima, que o solilóquio de cuíca em seus sentidos ganhou companhia: o batuque surdo e desregrado de seu coração acelerando ante o inevitável. Rogério, misturado ao odor de corpos estimulados, não focava mais rostos, não reconhecia mais ninguém: atravessava o samba trombando nos casais sorridentes. Parecia estar no meio da bateria da Mangueira, aquela que nunca marca os contratempos.

Enfim, parou no meio do salão, agora com os olhos focados e os ombros desanimados. Ensurdeceu. O único som que ouvia era do esvoaçar dos cabelos de Jandira, a relar suavemente o pescoço, quando ela oferecia a nuca a outro homem...

naquele minuto a vida de Rogério perdeu seu enredo.

Um comentário:

  1. Sempre vai haver um coração magoado...

    Mas, pra fazer um samba com beleza
    É preciso um bocado de tristeza
    Fazer samba, não é contar piada
    Quem faz samba assim, não é de nada
    O bom samba é uma forma de oração
    Porque o samba é a tristeza que balança
    E a tristeza, tem sempre uma esperança
    A de um dia não ser mais triste não.
    ( Vinícius e Baden)


    Não tem samba sem tristeza. Rogério vivenciou uma legítima experiencia sambistica...

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