Escritos de Rafael Perfeito

quinta-feira, 24 de maio de 2012

A bunda


18 horas. Estou sentado em uma cadeira reclinável na emergência esperando a medicação. Febre e garganta fechada. Ótimo acontecimento pra não ir à escola e ver Fluminense x Boca Juniors na tv, logo mais.

Observo as pessoas em seus pequenos dramas hospitalares enquanto dou discretas gargalhadas com o Bukowski. Na poltrona a meu lado um velho gesticula, seu soro já acabou há muito tempo. Faz menção de que arrancará tudo e irá embora quando uma das enfermeiras, uma grandona que deve aplicar terríveis injeções, o ignora. Trocamos aquele olhar de: "É brincadeira?".

Nesse momento reparamos em um casal à nossa frente. Ele, uns 27 anos, deitado, soro no braço, enorme, físico de jogador de basquete amador, olhar grato e meigo, muito meigo, dirigido ao dono de pequeninas mãos, dentro das quais as suas pareciam de menino, tamanha a segurança e o carinho recebidos. O outro, mesma idade, todo cuidados, bem mais baixo e muito magrelo dentro daquelas calças jeans apertadas de punk, do gigantesco cinto de couro com tachinhas e da miniblusa rosa.

- Hmmmm! Olha lá o jeitinho como eles se dão as mãos! E eu que achei que fossem irmãos.
- Tempos modernos! - Me limitei a dizer, enternecido com o carinho do casal gay e não querendo desapontar o velho ranzinza, que buscava divertir-se à custa da viadice alheia.

Das quatro enfermeiras que ali estavam trabalhando, uma me chamou a atenção. Magra, mulata, os crespos e bem tratados cabelos presos num coque acima do pescoço. Olhar e movimentos extremamente vivos, complacentemente simpáticos, deliciosamente sensuais. Torci pra que fossem aquelas mãozinhas a manusear minha bunda. As mãos da outra não... a outra devia dar injeções igual esmurrava o marido.

Escuto meu nome sendo chamado:

- Antônio Augusto!
- Eu aqui!
- A-ham! Muito bem. - Aproximou-se a mulata enfermeira. - O senhor queira me acompanhar à outra sala.
  Suas palavras tinham um leve sarcasmo. Percebi que ia gostar daquilo tudo.

Sorriso vai, sorriso vem, os olhares ficam. Ela pede para eu afrouxar a calça e me deitar de bruços.

- Primeiro o anti-inflamatório, que esse não dói.
- Manda brasa!
- Agora uma que fará você se lembrar de mim: a benzetacil!
- Manda brasa! Desde a operação de hemorróidas tenho absurda resistência pra dor!

A enfermeira sorriu. Apertou um pedaço de minha bunda entre seu polegar e indicador e aplicou a injeção. Não doeu. Levei um tapinha e ouvi de novo o comentário:

- Garanto que de noite você se lembrará de mim! E nada de pedir massagem pra namoradinha!

3 da manhã. Insônia. A febre não sumiu por completo. O Fluminense foi eliminado com um gol aos 45 minutos do segundo tempo. A namorada não apareceu. Não posso beber por causa da benzetacil. Me mexo no sofá, assistindo a uma sofrível reprise de MMA. Minha bunda dói.  Dói e coça. Minha bunda dói e coça e incomoda muito! A vida é uma merda mesmo! Tiro o cinto, enfio a mão dentro das calças. Coço a bunda e percebo algo grudado. Arranco, perdendo alguns pelos.

Era um band-aid com um número de telefone e um pequeno recado rabiscado:

"Adorei sua bunda. Jéssica".


18 comentários:

  1. Lendo vc, durante uma aula de direito sobre a Teoria dos Contratos Relacionais, quase solto uma gargalhada daquelas. Excelente narrativa, deliciosa história. Só não me pergunte nada sobre a Teoria dos Contratos Relacionais. Sei muito mais sobre a sua bunda...

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  2. Inaie, eu não sou o Antônio Augusto! rs... digamos que ele seja uma espécie de meu "Henry Chinaski".

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    1. Vc é de uma forma ou de outra o Antonio Augusto. E eu quero saber se a pobre Jessica continua a escrever bilhetinhos em bandaids ou se ela finalmente descolou uma bunda...

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  3. Se o Antônio Augusto é o Henry Chinaski... eu sou o quê?

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  4. Jéssica, essa moça que sabe das coisas!

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  5. Adorei a bunda, literalmente! rsrsrs

    Lu

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  6. Nossa,que pena Rafinha Bastos,ou e o Marcos mion.

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  7. Final surpreendente!!! Huahuahua...

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  8. imperfeito, sendo perfeito, conto, de sub-bunda, submundo, onde
    nos lambuzamos de viver e de gozar.
    saudaçoes,
    l

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  9. Fantástico relato, espero que ela tenha recebido um telefonema hehehehe...

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  10. Ah, adorei essa!! Tá demais o blog, hein, Rafa?!!"

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