Escritos de Rafael Perfeito

domingo, 4 de julho de 2010

O Olho Mágico



Desde que mudou-se de um condomínio de segurança máxima em São Paulo para a 114 sul, uma quadra residencial no plano piloto de Brasília, Mariana tomou por hábito aboletar-se na janela de seu quarto. O queixo apoiado nos bracinhos, olhando, do alto do quinto andar, os meninos de sua idade a jogar bola e as meninas a namorar nos pilotis. Seu pai, rígido e carcomido, a mãe com síndrome do pânico, nunca a deixariam descer.

Seu quê de Rapunzel não passou despercebido. Logo os adolescentes começaram a gritar lá debaixo: "desce garota! Vem brincar conosco!". Mariana só fazia erguer as sobrancelhas, soltar um suspiro e levantar os olhos aos céus, o pensamento perdido nas alturas.



A televisão era regrada. Escola? Já havia perdido o semestre com a mudança, só depois das férias de janeiro. Solitária, brincava com a criada Cida, cujas mãos acariciavam seu rosto ao mesmo tempo em que batiam, obedientes, os interfonemas vindos lá de baixo.

Seus dias assim corriam. Lá do alto já sabia onde todos os moleques gostavam de se esconder no pique-esconde e até aonde a garota do bloco em frente deixava o marmanjo da 314 enfiar as mãos.

Vivia na janela...

Mas o grande momento da semana era às segundas, quando o vizinho chegava de viagem e, por um breve momento, beijava a mulher que o esperava à porta. Mariana podia estar lendo no sofá, escrevendo cartas para alguma amiga de São Paulo ou mesmo apoiada na janela. Bastava sentir o pequeno tremor causado pelo deslocamento do elevador que voava para a porta. O marido alheio subia na mesma proporção que seus hormônios matreiros. No hall de entrada dos apartamentos, o ofegante casal não percebia a discreta sombra dos pezinhos de Mariana por baixo da porta, esticando-se em suas pontas para alcançar o olho mágico e observá-los.

Naqueles eternos segundos das segundas, se pudéssemos percorrer o caminho inverso do olho mágico e adentrar as já dilatadas pupilas de Mariana, perceberíamos seu coração aos pulos, enquanto seus dedinhos , descendo pela barriga e descolando a calça de lycra azul do corpo, iniciavam as preliminares de seu amor com o mundo externo.



6 comentários:

  1. Oi Rafael...sobre o seu comentário no meu blog sobre lista de comunidades quilombolas no Amapá. Eu tenho uma lista, mas não sei se é mais atualizada que a FCP ou MDA. Me diga seu email que eu envio para você.

    Sobre sua crônica, achei é interessante a brecheira menina.

    Bjks

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  2. adorei seus textos e sua visita na minha varanda...
    bjos

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  3. Dois submundos se encontrando, que interessante! O meu é imundo, mas enfim.

    Coitada da menina, condenada a ser uma voyeur da vida, sem participar. Espero que a história continue.

    E pretendo ver o seu texto sobre haxixe com uísque no chão rosa. Esse promete.

    Inté.

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  4. Salve, Perfeito!

    Acho que você se superou, novamente.

    Abraço!

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