Escritos de Rafael Perfeito

sábado, 7 de março de 2009

Mr Wong comparece à peça Mary Stewart



Antes de mais nada, apresento Mr. Wong, descrito por Mário Quintana:




O Estranho Caso de Mister Wong.
“Além do controlado Dr. Jekyll e do desrecalcado Mister Hyde, há também um chinês dentro de nós: Mister Wong. Nem bom, nem mau: gratuito. Entremos, por exemplo, neste teatro. Tomemos este camarote. Pois bem, enquanto o Dr. Jekyll, muito compenetrado, é todo ouvidos, e Mister Hyde arrisca um olho e a alma no decote da senhora vizinha, o nosso Mister Wong, descansadamente, põe-se a contar carecas na platéia… Outros exemplos? Procure-os o senhor em si mesmo, agora mesmo. Não perca tempo. Cultive o seu Mister Wong!” (Tirado de Quintana, Mário. "Sapato Florido" 1948).


Fui assistir, outro dia, à peça Mary Stewart. Júlia Lemmertz excelente, com seus pezinhos curvilíneos dominando o palco. E eis que surge o meu Mr. Wong.


No auge da cena onde à Mary Stewart é permitida breve saída das paredes onde encontrava-se trancafiada pela irmã, quando deleitava-se de prazer ao imaginar a Escócia ao norte e observava as taciturnas nuvens da Inglaterra, desperta em mim a personagem chinesa. Desviou meus olhos do palco e me fez escrutinar a platéia. Algumas cadeiras a meu lado percebi um sorriso comovido, comovente, maravilhoso. Não era bonito, mas espontâneo, puro, diferente. Quando subi os olhos da boca para vislumbrar todo o rosto dono daquele sorriso, percebi: a moça era cega.


Os olhos fechados estavam atentos a cada palavra, respiração e barulho vindos do palco. A face transtornada em vivo prazer. Ela parecia sentir a alma de Mary Stewart despertando de situação análoga, cega de tudo o que há de belo pelas paredes que a cerceavam há tanto tempo. Redescobrir as cores de um jardim, da natureza e, principalmente, do horizonte roxo que paira sobre as montanhas.


Dos decotes vistos por Mr. Hyde, da densa peça apresentada e absorvida por Dr. Jekyll, sobressaiu-se o que viu Mr. Wong. Ninguém naquela platéia sentiu tanto a apresentação quanto a moça cega. Ver pululando em cada parte de seu rosto as emoções que sentia com o breve momento de liberdade de Mary Stewart foi o ponto alto da noite.

Um comentário:

  1. Nossa!!! Ótimo achar o nome do serzinho que vive se manifestando em mim!! O meu Mr. Wong nunca dorme, vive me pregando peças.. Adorei!!!

    Alê.

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