Escritos de Rafael Perfeito

sábado, 18 de abril de 2009

Ah... os pezinhos dela!




Botou a cabeça no travesseiro e começou a pensar em voz alta, como se conversasse consigo mesmo.


Em tom imperativo, balbuciou essas palavras:


“Isso. Hoje você provou que não precisa dela. Não pensou em telefonar-lhe nem uma vez, mesmo quando recebeu notícias boas. Quando viu o arco-íris duplo não lembrou de tirar uma foto e enviar ao filho pequeno dela. O moleque adorava ganhar arco-íris de presente...”


Vinha à cabeça, agora, o último ocorrido: há pouco, no elevador, o teste final. “Que peça, Deus, você quis me pregar, hein?”


Bem quando chegava em casa! A vizinha de cima entrou no térreo. Após o cumprimento, o perfume do corpo dela tomou conta do elevador e dos seus sentidos. O mesmo cheiro! Com o nariz fervendo, baixou os olhos tímidos. Viu os pezinhos da moça. Eram alvos, dedos compridos, embora delicados, saindo de peitinhos de pé rechonchudos. Tais quais os dela. Ah!!! Quase deu vontade de pisar carinhosamente em ambos, de leve, e aplicar o outrora costumeiro beijinho na testa, não é verdade?


_ Quase... – Pronunciou, apoiado nas mãos entre o travesseiro e a nuca. O olhar no teto negro.


Com aquele velho sorrisinho de satisfação que sempre puxava seu nariz para baixo, suspirou triunfante e adormeceu...


...não sem antes pensar em ligar pra ela e contar isso tudo.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Burnout


São 18h30 de uma terça-feira. Suas mãos agarram firmemente a barra de apoio no teto do metrô. Equilibra-se como pode entre vários pulsos e corpos chacoalhantes. Sente a vista pesada, o corpo cansado. Pensa naquela rotina diária, pensa na cerveja no congelador e no que o aguarda em casa, à noite...




...acorda num sobressalto. Os joelhos dobrados fizeram com que o peso do corpo recaísse todo sobre as mãos agarradas em cima. O cotovelo quase acertara o rosto de gentil senhora a seu lado. Sem entender direito o que havia acontecido, percebe sorrisos nos cantos de várias bocas ao redor. Alguns abafavam o riso entre as mãos:


_ Deus!! Eu dormi em pé no metrô! - pensou enquanto olhava as olheiras negras no reflexo do vidro.


Isso nunca lhe havia acontecido antes. Estaria trabalhando demais? Dormindo de menos? Talvez fosse a idade... estava chegando aos 30. Burnout? Isso! Devia ser a síndrome de Burnout, aquele stress típico de professores.


Limpando a saliva que lhe escorria já pelo pescoço, pegou a bicicleta e desceu na estação de Águas Claras.


No breve caminho até sua casa pôs-se a relembrar seu dia. Mais um arrastado dia sem clímax, tão comum aos professores:


6 da manhã. Metrô. Escola 1. Cantar o hino nacional. Aplicar prova, recolher prova. Dar esporro no aluno dos hormônios em polvorosa. Sorrir para a mãe chata que deposita todos os problemas do filho asperger na sua conta.


Ônibus, chope com o pai num almoço de 30 minutos. Ônibus, escola 2. Exvai-se a tarde inteira...


Enfim, desfalecer no metrô. Aquele que se achava em boa forma havia dormido em pé no metrô! Havia encarado as próprias fundas olheiras no reflexo do vidro e pensara no que o aguardava, à noite, em seu quarto.


Chega em casa. Esquenta o óleo para um bife à milanesa ao mesmo tempo em que come feijão e arroz direto do pote da geladeira... escola 3.


Finalmente, as 11 da noite, volta para casa. Pega a cerveja gelada. Na cama o aguardam, juntinhas, duas de suas alunas, uma tocando a outra. São Alícia Kelly Andrade, 19 anos e Betina Roberta da Conceição Neres, 34. A primeira, morena, mais despojada, mostra a malemolência (neologismo?) de quem nunca precisou trabalhar. Tem traços finos e longilíneos. A segunda, uma empregada doméstica semianalfabeta, de traços grosseiros, gordinhos e decididos, mostra alguns de seus predicados.


Ao entrar no quarto, mineirinho come quieto, o professor exclama: “Nüü Senhora!”.
Sua expressão transtorna-se. Pega as duas que estão juntas em sua cama e violentamente as joga na escrivaninha. “É hoje!”. Avança para cima de Alícia Kelly e, após uma boa respirada, abre as primeiras páginas das mais de 300 provas que tem de corrigir.